Súmulas Vinculantes 60 e 61: impressões do primeiro semestre
- cleniojschulze
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As Súmulas Vinculantes 60 e 61 do STF chegaram ao 6º mêsversário e já é possível apresentar algumas impressões sobre os impactos na judicialização da saúde no Brasil.
O objetivo do presente texto é avaliar parte das Reclamações apresentadas ao STF. Foram pesquisadas as decisões apresentadas até 20/03/2025 e encontradas na pesquisa pública de jurisprudência do STF.
Primeira observação: a imensa maioria das Reclamações teve julgamento de procedência no STF para cassar as decisões judiciais que descumpriram o conteúdo das Súmulas Vinculantes.
Segunda observação: o próprio STF vai interpretando as Súmulas para adequar à realidade.
Terceira observação: as Reclamações apresentadas analisam apenas as decisões judiciais, inexistindo impugnação de atos da Administração Pública (SUS).
As principais Reclamações possuem os seguintes conteúdo:
Exemplo 1
Resumo: medicamento entregue mesmo com manifestação de não incorporação pela Conitec (avaliação econômica). Conclusão: reclamação procedente para cassar a decisão.
“18. À vista da Portaria SCTIE/MS n° 66, de 23 de setembro de 20211 (e-doc. 13), da Secretaria de Atenção à Saúde e da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, verifica-se a existência de decisão formal pela não incorporação do medicamento em questão (voretigeno neparvoveque) como intervenção medicamentosa na distrofia hereditária da retina mediada por mutação bialélica no gene RPE65, moléstia que acomete o paciente demandante na origem.
[…]
27. No julgamento do Tema 06 - RG2 , estabeleceu-se que o julgador não poderá, sob pena de nulidade, avançar sobre o mérito administrativo do ato de não incorporação editado pela CONITEC, estando limitado à análise das circunstâncias do caso concreto e aos requisitos previstos nos arts. 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990, verbis:
[…]
31. Quanto ao ponto central da controvérsia tratada nestes autos - desconsideração das ponderações da CONITEC quanto à avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas - o acórdão reclamado (e-doc. 09) assim dispôs:
[…]
34. À vista desses dois fatores, extrai-se dos autos que o Relatório de Recomendação da CONITEC (e-doc. 12) pela não incorporação do medicamento, fundamentou-se principalmente na insustentabilidade do SUS em caso da oferta de voretigeno neparvoveque, mesmo que se considere apenas indivíduos com distrofia hereditária da retina mediada por mutação bialélica no gene RPE6, verbis:
Quanto às contribuições técnico-científicas relacionadas à avaliação econômica e análise de impacto orçamentário, destacam-se a recomendação de acordo com compartilhamento de riscos sugerida por um profissional da saúde, bem como a redução de preço e oferta de 300 testes pela Novartis durante um período máximo de um ano, a partir do momento da efetiva oferta de voretigeno neparvoveque no SUS. Com essa redução de preço a razão de custo-efetividade incremental antes de R$ 935.887 foi reduzida para R$ 832.737 (11% de redução) em nova análise do demandante; e a estimativa de impacto orçamentário para cinco anos reduziu de R$ 336.539.228 (market share de 60% no quinto ano) ou R$ 361.993.209 (market share de 100% no quinto ano) para R$ 299.521.378 (market share de 60% no quinto ano) ou R$ 322.096.192 (market share de 100% no quinto ano) (11% de redução) em nova análise do demandante. O plenário da Conitec, em sua 101ª Reunião Ordinária, realizada no dia 01 de setembro de 2021, deliberou por unanimidade recomendar a não incorporação de voretigeno neparvoveque no SUS para tratamento de indivíduos com distrofia hereditária da retina mediada por mutação bialélica no gene RPE65. Para essa recomendação, a Conitec considerou que a consulta pública não trouxe elementos suficientes para mudança da recomendação preliminar. Mesmo à luz do novo preço proposto pelo fabricante (R$ 1.608.946 por injeção), o plenário entendeu que a incorporação da tecnologia com os indicadores de eficiência apresentados e estimativa de impacto orçamentário vultuoso não contribuiria para a sustentabilidade do SUS e viabilidade de oferta da tecnologia. (e-doc. 12, p. 79, grifo nosso)
[…]
35. À vista disso, sem desconsiderar a alegada relevância da intervenção para a garantia do direito à saúde da parte beneficiária, a decisão reclamada inobservou requisito fixado quando do julgamento do Tema 06 - RG e da Súmula Vinculante 61 acerca para a excepcional concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde.
[…]
36. Houve desconsideração, pelo Poder Judiciário, da análise de viabilidade econômica realizada pelo Ministério da Saúde, sob a alegação de que o tratamento direcionado apenas a pacientes elegíveis não seria capaz de impactar na sustentabilidade do sistema de saúde, o que justificaria a assunção do custo orçamentário.
37. Por todo o exposto, nos termos do art. 161, parágrafo único, RISTF, julgo procedente a presente reclamação, cassando-se, em definitivo, a decisão reclamada (e-doc. 09) que determinou à União a oferta do fármaco Luxturna (voretigeno neparvoveque) ao demandante da ação originária. Determino que outra seja proferida em seu lugar com observância do Tema 06 - RG e da Súmula Vinculante 61.
(Rcl 75471, Relator Min. FLÁVIO DINO, Julgamento: 25/02/2025, Publicação: 26/02/2025) [grifado]
Exemplo 2
Resumo: decisão que não aplicou imediatamente as SVs, mantendo tutela antecipada anterior: reclamação procedente para cassar a decisão.
“Ao proferir a decisão reclamada, o Relator do Agravo de Instrumento n. 2010578-17.2025.8.26.000, da Décima Primeira Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, assentou que “as teses fixadas nos Temas nº 6 e nº 1234 do STF não têm o condão de afastar a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida” (fl. 2, e-doc. 3). Por essa decisão, foi mantido o seguinte acórdão proferido pela Décima Primeira Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo no Agravo de Instrumento n. 2271099-75.2024.8.26.0000, pelo qual antecipados os efeitos da tutela:
[…]
No acórdão preservado, contudo, não foram observados os requisitos estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal nos Temas 6 e 1.234 da repercussão geral, até porque inexistentes à época da decisão, já que o deferimento da tutela antecipada antecede o julgamento dos casos paradigmas e, por consequência, as Súmulas Vinculantes ns. 60 e 61. Considerando que a antecipação dos efeitos da tutela constitui medida judicial de caráter precário, sujeita a revogação ou modificação a qualquer tempo, nos termos do art. 304 do Código de Processo Civil, deveria a autoridade reclamada, após a fixação das teses de repercussão geral e a edição das súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal, reexaminar a decisão proferida à luz dos novos entendimentos consolidados.
[…]
12. Pelo exposto, julgo procedente a presente reclamação para cassar a decisão reclamada e determinar outra seja proferida com observância das Súmulas Vinculantes ns. 60 e 61 deste Supremo Tribunal e dos itens 2, b, e 3 do Tema 6 da repercussão geral, mantido o fornecimento do medicamento determinado até o reexame da matéria pela Décima Primeira Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo no Agravo de Instrumento n. 2010578-17.2025.8.26.000, conforme assentado pelo Supremo Tribunal nos paradigmas suscitados.”
(Rcl 76164, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 04/03/2025, Publicação: 07/03/2025) [grifado]
Exemplo 3
Resumo: decisão que não aplica o PMVG: reclamação procedente
“Nesse cenário, a autoridade reclamada desrespeitou o decidido pela CORTE no item 3.2 do Tema 1.234-RG, acima transcrito, ao deixar de observar o PMVG para aquisição do medicamento pleiteado pela parte, custeado pelo Poder Público, no âmbito de tratamento de saúde continuado.
Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO PROCEDENTE o pedido para cassar o ato reclamado e determinar que outra decisão seja proferida com a observância dos termos da Súmula Vinculante 60 e dos parâmetros estabelecidos por esta CORTE no julgamento do Tema 1.234- RG, RE 1.366.243, Rel. Min. GILMAR MENDES
(Rcl 76878, Relator Min. ALEXANDRE DE MORAES, Julgamento 05/03/2025, Publicação 07/03/2025)” [grifado]
Exemplo 4
Resumo: decisão que não avalia a decisão de não incorporação do medicamento: reclamação procedente
“Entendo que estão presentes os requisitos que autorizam o deferimento da tutela de urgência, nos termos do art. 300 do CPC/2015. Quanto à probabilidade do direito, considero plausível a tese de que a decisão reclamada afronta a autoridade das Súmulas Vinculantes nos 60 e 61, uma vez que houve determinação judicial de fornecimento de remédio que teve sua incorporação ao SUS expressamente negada pelas autoridades administrativas competentes, sem que a decisão judicial demonstrasse a existência de alguma ilegalidade na análise técnico administrativa realizada pelos órgãos competentes.”
(STF, MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 75.471 MINAS GERAIS, Relator Min. FLÁVIO DINO, Decisão proferida pelo(a): Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, Julgamento: 28/01/2025, Publicação: 29/01/2025) [grifado]
Exemplo 5
resumo: STF determina a aplicação das Súmulas Vinculantes a outras tecnologias em saúde (próteses, órteses, entre outros).
“Consigno, entretanto, que a ressalva consignada no julgamento das teses dos Temas nºs 6 e 1234 da RG não constitui impedimento para que suas diretrizes sejam observadas em ações prestacionais de saúde independentemente de esterem relacionadas a medicamentos, de modo a formar demanda qualificada e propiciar decisões também qualificadas no contexto da judicialização da saúde.”
(RECLAMAÇÃO 73.135, RIO GRANDE DO SUL, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento 13/12/2024, Publicação 17/12/2024) [grifado]
Exemplo 6
resumo: STF amplia o uso do Zolgensma para crianças com idades entre 6 meses e 2 anos.
“Ante o exposto, nego seguimento à reclamação, não vislumbrando qualquer descumprimento às teses dos temas 6 e 1234 da repercussão geral, consubstanciadas nas Súmulas Vinculantes 60 e 61.
Comunique-se o teor da presente decisão à Conitec para reavaliação da incorporação do referido medicamento, à luz dos novos estudos identificados pela Dra. Ludhmila Hajjar e pelo Dr. Salmo Raskin, cumprindo o item 3, alínea “c”, do tema 6 da RG.”
(RECLAMAÇÃO 75.188 DISTRITO FEDERAL, Relator Ministro GILMAR MENDES, 31/01/2025)
Como se observa, as Súmulas Vinculantes 60 e 61 trouxeram um novo cenário da judicialização da saúde no Brasil.
A principal característica é permitir a impugnação imediata no STF de qualquer decisão judicial proferida no país. Além disso, o STF pode monitorar, praticamente em tempo real, o posicionamento da magistratura brasileira em relação à adesão ao conteúdo das Súmulas Vinculantes.
Como citar:
(SCHULZE, 2025)
SCHULZE, Clenio Jair. Súmulas Vinculantes 60 e 61: impressões do primeiro semestre. ln: Clenio Jair Schulze. Temas de Direito e Saúde. [S.l.]. 15 mai. 2025. Disponível em: www.temasdedireitoesaude.com. Acesso em: 15 mai. 2025.
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